Ofensa a direitos humanos não zera redação do Enem
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, negou neste sábado (4) um pedido da Procuradoria Geral da República (PGR) e da Advocacia Geral da União (AGU) para permitir ao Ministério da Educação (MEC) dar nota zero a redações do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) com teor considerado ofensivo aos direitos humanos.
Na prática, a decisão de Cármen Lúcia mantém decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) do último dia 25 que proíbe anular a redação considerada pelos examinadores contrária aos direitos humanos e permite somente o desconto de no máximo 200 pontos (de um total de 1.000).
Porta de entrada para a maioria das universidades públicas do país, o exame começa neste domingo (5) com as provas de redação, português, literatura, língua estrangeira, história, geografia, filosofia e sociologia. Estão inscritos mais de 6,7 milhões de candidatos.
A ação foi apresentada no ano passado pela Associação Escola sem Partido e diz que o critério de correção do Enem ofende o direito à livre manifestação do pensamento, a liberdade de consciência e de crença e os princípios do pluralismo de ideias, impessoalidade e neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado, todos garantidos pela Constituição.
“Ninguém pode ser obrigado a dizer o que não pensa para poder entrar numa universidade”, diz a ação, acrescentando que que o próprio Inep, órgão do MEC que elabora a prova, desrespeita os direitos humanos ao cercear a liberdade do aluno de defender ponto de vista diferente daquele dos corretores de sua redação.
Na decisão, Cármen Lúcia diz não enxergar “lesão a interesses públicos relevantes” na decisão do TRF-1, que, para ela, “expande os direitos fundamentais”, ao garantir o exercício da liberdade de expressão e de opinião dos candidatos.
“Não se desrespeitam direitos humanos pela decisão que permite ao examinador a correção das provas e a objetivação dos critérios para qualquer nota conferida à prova. O que os desrespeitaria seria a mordaça prévia do opinar e do expressar do estudante candidato”
Nas ações da PGR e da AGU, os dois órgãos defenderam o critério aplicado desde 2013 no Enem que permite anular a redação de estudantes que façam “menção ou apologia” à defesa de tortura, mutilação, execução sumária ou qualquer forma de “justiça com as próprias mãos”, por exemplo.
Para a presidente do STF, porém, há “meios e modos” para se questionar, no âmbito do governo ou mesmo da Justiça, “eventuais excessos” na liberdade de expressão.
“Não se combate a intolerância social com maior intolerância estatal. Sensibiliza-se para os direitos humanos com maior solidariedade até com os erros pouco humanos, não com mordaça”
Na decisão, Cármen Lúcia citou decisão do STF de 2015 que liberou a publicação de biografias não autorizadas. Relatora do caso, a ministra votou, na época, contra a “cultura do politicamente correto”, que, na visão dela, vinha sendo levada ao “paroxismo”.
“Com o politicamente correto, adotam-se formas de censura que mitigam ou dificultam o pluralismo ao qual a liberdade pessoal conduz, porque a censura, estatal ou particular, introduz o medo de não ser bem acolhido no grupo sicial. O medo e a vergonha fragilizam o ser humano em sua dignidade. Sem dignidade, não se resguarda a identidade, que faz cada ser único em sua humanidade insubstituível”, afirmou à época.