Justiça autoriza plantio de maconha medicinal para tratamento de adulto pela primeira vez em Pernambuco
De acordo com o magistrado, "os documentos médicos constantes dos autos demonstraram a boa-fé do paciente ao buscar o poder Judiciário para a obtenção do salvo-conduto".
A Justiça Federal em Pernambuco autorizou o cultivo de maconha medicinal dentro de casa para o tratamento de saúde de um homem que tem diagnóstico de dor neuropática. Esta foi a primeira vez que o plantio foi autorizado para um adulto, no estado, e é a quarta liminar concedida a partir de ações movidas pela Defensoria Pública da União (DPU) do estado, que já tinha conseguido assegurar esse direito para três menores de idade.
O beneficiado, segundo a DPU, tem 32 anos e sofre as consequências de um acidente com uma serra, ocorrido em 2017. De acordo com a Defensoria da União, o homem teve a mão atingida pela lâmina, em uma serralheria, “ocasionando graves lesões e a perda de quase todos os movimentos”.
A decisão, proferida pelo juiz substituto da 4ª Vara Federal, Augusto César de Carvalho Leal, saiu na quarta-feira (29) e foi divulgada nesta quinta (30). Com a liminar, policiais ficam impedidos de fazer prisão em flagrante do responsável pelo cultivo da cannabis, que deve ter uso “exclusivo” para tratamento de saúde.
De acordo com o magistrado, “os documentos médicos constantes dos autos demonstraram a boa-fé do paciente ao buscar o poder Judiciário para a obtenção do salvo-conduto”.
O texto do juiz atesta que a decisão “tem a finalidade exclusiva de cultivo da cannabis para fins medicinais e não o seu uso recreativo ou a negociação com terceiros, bem como o cumprimento das normas legais por parte do paciente junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”.
“Não pode o poder Judiciário ignorar, por um lado, o intenso sofrimento humano imposto pelas dores neuropáticas crônicas às quais se encontra submetido o paciente, em razão da amputação de dois dedos de uma de suas mãos, e, por outro, a sua impossibilidade econômica de importar ou adquirir diretamente, em território nacional, a única alternativa terapêutica que lhe é eficaz, sem comprometimento da subsistência da sua família”, afirma o magistrado.
Além disso, o juiz destacou na decisão que existe “flagrante omissão do Estado em efetivar os seus direitos fundamentais à saúde e à vida digna, seja oferecendo gratuitamente, no âmbito do SUS, a única alternativa terapêutica suficientemente efetiva para o seu delicado quadro de saúde, seja regulamentando, conforme autorizam a própria Lei 11.343/2006, o seu Decreto regulamentador e convenções internacionais, o cultivo de cannabis sativa com fins exclusivamente medicinais, para uso próprio do óleo extraído da planta”.
Dores
Na ação impetrada na Justiça Federal, a DPU relata o histórico de problemas do homem, desde o acidente. Após várias cirurgias, informa a DPU, o paciente passou a fazer o tratamento com medicamentos que tinham como componentes a morfina e outras substâncias que provocaram efeitos colaterais.
Diante disso, diz a defensoria da União, o homem ficou impossibilitado de trabalhar, por causa de remédios que alteravam o estado clínico.
“Segundo resumos médicos, ele é portador de dor neuropática com características de síndrome doloroso do membro fantasma por amputação traumática dos 2º e 3º quirodáctilos esquerdo, mesmo após reconstrução cirúrgica”, informa a DPU.
Ainda segundo a DPU, o homem ficou sabendo de casos de crianças que estavam sendo tratadas com a cannabis medicinal. Ao fazer uso do óleo da maconha, ele “apresentou significativa melhora: já nos primeiros três dias, sentia melhoras sobre as dores, com duas semanas as coceiras estavam controladas e a dor modularizada e o sono regulado”, informou a Defensoria Pública da União.
Além disso, diz a DPU, foi possível reduzir a quantidade de medicamentos tomados pelo beneficiário da liminar da Justiça federal. A defensora Tarcila Maia Lopes destacou, no texto publicado pela Defensoria, que “a dosagem do amitril foi reduzida de de 75mg para 25mg e, atualmente, o assistido faz uso apenas do óleo da cannabis e do medicamento amitril, na dosagem de 25 mg, uma vez ao dia”.
Antes de conseguir a liminar, o beneficiado obteve uma receita médica para tratamento com remédio à base de cannabidiol. O problema, destaca a DPU, é o custo da importação, que totalizaria cerca de R$ 16 mil por ano, “, tornando inviável o tratamento por este meio”.
Liminares
Em dezembro de 2019, a Justiça Federal em Pernambuco autorizou uma mulher a cultivar maconha em casa, sem correr o risco de ser presa, para facilitar o tratamento da filha, que tem autismo.
A segunda liminar foi concedida em 22 de janeiro deste ano. Ela beneficia um garoto de 9 anos que tem hemimegalencefalia (aumento do volume do hemisfério cerebral) e apresenta um histórico de crises convulsivas graves desde os dez meses.
O terceiro pedido de liminar da DPU, no Recife, também foi deferido pela Justiça Federal no dia 22 de janeiro. O beneficiado é um menor de 8 anos que tem problemas neurológicos permanentes, decorrentes de hipóxia neonatal, apresentando histórico de crises convulsivas graves, epiléticas e febris.