‘Ordens absurdas não se cumprem, temos que botar limites’, diz Bolsonaro em recado ao Supremo
o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criticou a investigação e disparou queixas contra a corte.
Um dia após uma operação policial ordenada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) ter atingido empresários, políticos e ativistas bolsonaristas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criticou a investigação e disparou queixas contra a corte.
“Não teremos outro dia como ontem, chega”, disse, na saída do Palácio da Alvorada, em declaração transmitida pela rede CNN Brasil. “Querem tirar a mídia que eu tenho a meu favor sob o argumento mentiroso de fake news.” Em outro trecho, Bolsonaro afirmou ter em mãos as “armas da democracia”. E disse que “ordens absurdas não se cumprem” e que “temos que botar limites”.
Quando os repórteres que estavam no local tentaram questioná-lo a que ordens estava se referindo, o mandatário se recusou a responder, disse que não estava concedendo uma entrevista e que os profissionais poderiam ir embora se não quisessem ouvi-lo.
Um dia antes a PF cumpriu 29 mandados de busca e apreensão no chamado inquérito das fake news, que apura ofensas, ataques e ameaças contra ministros do Supremo. Políticos, empresários e ativistas bolsonaristas estão entre os alvos da investigação.
Na fala desta quinta-feira (28), o presidente adotou um tom duro contra o inquérito das fake news que corre no tribunal, embora não tenha citado em nenhum momento o ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo procedimento.
O mandatário disse que o termo “gabinete do ódio” (apelido dado a um grupo de servidores lotados na Presidência da República que atuaria na disseminação de notícias falsas e no ataque a reputações de autoridades) foi “inventado” e defendeu enfaticamente a rede de apoio que tem nas mídias sociais. “Mais um dia triste na nossa história. Mas o povo tenha certeza, foi o último. Queremos paz, harmonia, independência e respeito. E democracia acima de tudo. A liberdade de expressão é algo sagrado entre vocês [imprensa] e também entre a mídia alternativa. Não podemos ficar apenas tendo a nossa disposição um lado, a tradicional ou a mídia social. Os dois lados vão conviver”, afirmou.
“Idiotas inventaram [a expressão] gabinete do ódio. Outros imbecis publicaram matérias disso e lamento julgamento em cima disso”, afirmou. Referindo-se ao inquérito, Bolsonaro afirmou ainda que um processo não pode começar “em cima de factoides e fake news”. Para Bolsonaro, a ação da PF ordenada pelo Supremo foi uma “invasão de casas de pessoas inocentes”, o que é “inadmissível”.
“Ontem trabalhamos o dia todo numa coisa, ouvindo quem teve sua propriedade privada violada. São chefes de família, homens mulheres, que foram surpreendidos pela Polícia Federal, que estava cumprindo ordens”, declarou. Em um dos trechos mais exaltados de sua fala na manhã desta quinta, quando não permitiu perguntas de jornalistas que estavam no local, Bolsonaro gritou: “Acabou, porra!”.
Na decisão em que autorizou a Polícia Federal a cumprir mandados de busca e apreensão contra os alvos do inquérito das fake news, Moraes diz, com base nos relatos de congressistas, que os investigados teriam ligações com o chamado ‘gabinete do ódio’.
Moraes citou os depoimentos dos deputados federais Joice Hasselmann (PSL-SP), Alexandre Frota (PSL-SP) e Heitor Freire (PSL-CE), que descreveram um suposto esquema coordenado pelo Palácio do Planalto para propagar pautas inconstitucionais e campanhas de difamação contra adversários políticos.
O jornal Folha de S.Paulo mostrou em 25 de abril que as investigações identificaram indícios de envolvimento de um dos filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro, no esquema de notícias falsas. Investigadores buscam elementos que comprovem sua ligação. Outro filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PSL de SP, também é suspeito. Ainda na noite de quarta-feira (27), Eduardo criticou as decisões recentes dos ministros do STF Alexandre de Moraes e Celso de Mello. Em live ao lado de alvos da ação do Supremo, ele defendeu reagir energeticamente contra a corte. “Temos de pontuar, diagnosticar o problema e depois começar a tomar algumas atitudes”, afirmou o deputado.
“Até entendo quem tem uma postura moderada para não chegar num momento de ruptura, de cisão ainda maior, de conflito ainda maior. Eu entendo essas pessoas que querem evitar esse momento de caos, mas falando abertamente, opinião de Eduardo Bolsonaro, não é mais uma opinião de se, mas de quando isso vai ocorrer. Essas reuniões aqui que o Allan está falando de altas autoridades, até mesmo de dentro de setores políticos, a gente discute esse tipo de coisa”, afirmou.
O deputado afirmou que pode ser o próximo alvo da corte. Ele também criticou as decisões de Celso de Mello no inquérito que investiga a suposta interferência do presidente na Polícia Federal. “Se a gente mantiver essa postura colaborativa, amanhã eles vão entrar na nossa casa”, afirmou. A deflagração da operação irritou Bolsonaro, que convocou uma reunião de ministros na tarde de quarta para traçar uma reação à corte.
Uma das primeiras ações do governo já foi tomada. O ministro André Mendonça (Justiça) ingressou com um pedido de habeas corpus para Abraham Weintraub (Educação) a fim de “garantir liberdade de expressão dos cidadãos”. Com o pedido de habeas corpus, a ideia é impedir a prisão ou outra medida cautelar contra Weintraub no caso de ele se recusar a cumprir a determinação do STF de prestar depoimento. Em reunião ministerial em 22 de abril, o ministro disse que “colocaria todos esses vagabundos na cadeia, começando no STF”.
Em sua fala nesta quinta-feira em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro argumentou que em todos os Poderes há pessoas que “extrapolam” e que, quando isso acontece, ele toma providências. No entanto, ele não esclareceu a quem se referia.
Bolsonaro acusou ainda uma tentativa de “censurar as mídias sociais” e destacou que a mobilização nessas plataformas lhe garantiu a eleição em 2018. “A mídia social me trouxe à presidência. Sem ela, não estaria aqui”, declarou. Ele também fez um apelo para que decisões do Supremo que tenham efeito sobre outros Poderes sejam decididas pelo colegiado, numa tentativa de reduzir a prerrogativa dos ministros da corte de, monocraticamente, adotarem determinações em alguns processos.
Apesar dos ataques a Moraes e às decisões individuais da corte, Bolsonaro disse que está disposto a conversar com qualquer autoridade do Judiciário ou do Legislativo para promover a harmonia entre os poderes. “Respeito o STF e respeito o Congresso. Mas para esse respeito continuar sendo oferecido da nossa parte, tem que respeitar o Poder Executivo também”. Outro alvo do mandatário nesta quinta foi o ministro Celso de Mello, do STF, relator de um inquérito sobre suposta tentativa de interferência de Bolsonaro na Polícia Federal. O procedimento foi aberto após acusações do ex-ministro Sergio Moro, feitas no dia da demissão do ex-juiz da Lava Jato.
Bolsonaro sugeriu que o magistrado, ao levantar o sigilo da reunião ministerial de 22 de abril, deve ser enquadrado na lei de abuso de autoridade.
“Eu peço pelo amor de deus: não prossiga [com] esse tipo de inquérito, a não ser que seja pela lei do abuso de autoridade. Está bem claro, de quem divulga vídeos, imagens ou áudios do que não interessa ao inquérito… Tá lá [na lei], um a quatro anos de detenção.”
“Criminoso não é Abraham Weintraub, não é o [Ricardo] Salles [ministro do Meio Ambiente], não é nenhum de nós. A responsabilidade de tornar aquilo público é de quem suspendeu o sigilo de uma sessão cujo vídeo foi chancelado como secreto.”
Por último, o presidente disse que a democracia no Brasil é algo sagrado e rechaçou apoio a qualquer defesa de intervenção das Forças Armadas. Ele também argumentou que não vai se transformar num “pseudoditador da direita”.
“Em nenhum momento eu falei que as Forças Armadas estão com o presidente da República. Sempre disse que elas estão com o povo, com a democracia, com a lei e a ordem. Não vão fazer com que eu transgrida, que eu me transforme num pseudoditador da direita. Isso não existe. Irei às últimas consequências contra qualquer um do meu meio que porventura pense dessa maneira.”
QUE PONTOS DO INQUÉRITO ESTÃO SENDO QUESTIONADOS?
Ato de ofício – Toffoli abriu o inquérito sem provocação de outro órgão, o que é incomum. Segundo o STF, porém, há um precedente: uma investigação aberta de ofício pela Segunda Turma da corte no ano passado para apurar o uso de algemas na transferência de Sérgio Cabral (MDB-RJ).
Competência – A investigação foi instaurada pelo próprio Supremo, quando, segundo críticos, deveria ter sido encaminhada para o Ministério Público. O argumento é que o órgão que julga não pode ser o mesmo que investiga, pois isso pode comprometer sua imparcialidade.
Relatoria – O presidente da corte designou o ministro Alexandre de Moraes para presidir o inquérito, sem fazer sorteio ou ouvir os colegas em plenário. Assim, Moraes é quem determina as diligências investigativas.
Foro – O que determina o foro perante o STF é quem cometeu o delito, e não quem foi a vítima. Para críticos, a investigação não deve correr no Supremo se não tiver como alvo pessoas com foro especial. Moraes disse que, localizados os suspeitos, os casos serão remetidos às instâncias responsáveis por julgá-los.
Regimento – Toffoli usou o artigo 43 do regimento interno do STF como base para abrir a apuração. O artigo diz que, “ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, o presidente instaurará inquérito”. Críticos dizem que os ataques pela internet não ocorrem na sede do Supremo, mas Toffoli deu uma interpretação ao texto de que os ministros representam o próprio tribunal.
Liberdade de expressão – Moraes pediu o bloqueio de redes sociais de sete pessoas consideradas “suspeitas de atacar o STF”. A decisão foi criticada por ferir o direito à liberdade de expressão. O mesmo pode ser dito sobre a censura, depois derrubada, aos sites da revista Crusoé e O Antagonista.