Diante dos ataques de Bolsonaro, presidente do Supremo cancela reunião de poderes
O ministro disse que alertou Bolsonaro em julho “sobre os limites do exercício do direito da liberdade de expressão” e criticou a insistência do presidente em criticar membros da corte.
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, afirmou nesta quinta-feira (5) que o presidente Jair Bolsonaro não cumpre a própria palavra e anunciou o cancelamento da reunião entre os chefes dos três Poderes que havia convocado.
Fux disse que o chefe do Executivo tem reiterado os ataques a integrantes da corte, em especial aos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, e que as ofensas não atingem apenas os dois, mas todo o tribunal.
O ministro disse que alertou Bolsonaro em julho “sobre os limites do exercício do direito da liberdade de expressão” e criticou a insistência do presidente em criticar membros da corte.
“Como afirmei em pronunciamento por ocasião da abertura das atividades jurisdicionais deste semestre, diálogo eficiente pressupõe compromisso permanente com as próprias palavras, o que, infelizmente, não temos visto no cenário atual.”
Para justificar o cancelamento da reunião entre os Poderes, Fux disse que o pressuposto para o diálogo é o respeito mútuo entre as instituições e seus integrantes.
O chefe do STF ainda criticou o fato de Bolsonaro manter “a divulgação de interpretações equivocadas de decisões” do Supremo” e de insistir “em colocar sob suspeição a higidez do processo eleitoral brasileiro”.
Fux disse que é “certo que quando se atinge um dos integrantes do tribunal, se atinge a corte por inteiro”.
O presidente da corte suspendeu o julgamento que estava em curso para fazer o pronunciamento e afirmou que a análise dos processos em pauta será retomada apenas na semana que vem.
“Me vejo instado a suspender o julgamento”, disse.
O discurso de Fux é uma reação às declarações do chefe do Executivo, que chamou Moraes nesta quinta-feira (5) de “arbitrário e ditatorial”.
O presidente também voltou a falar da possibilidade de atuar fora dos limites da Constituição para reagir às decisões do Supremo que lhe atingem.
Na última segunda-feira, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) abriu um inquérito para investigar Bolsonaro por acusar, sem provas, a corte de fraudar as eleições. No mesmo dia, Barroso, que preside o tribunal, enviou ao STF, com aval unânime do plenário, uma notícia-crime contra Bolsonaro pela publicação de uma live em que fez uma série de mentiras sobre as urnas eletrônicas.
Moraes, então, decidiu incluir o presidente como investigado no inquérito das fake news e fez duras críticas a Bolsonaro.
Na decisão, o ministro afirmou que as condutas do chefe do Executivo podem configurar 11 crimes, 7 deles previstos no Código Penal, 3 na Lei de Segurança Nacional e 1 no Código Eleitoral. Entre eles, estão calúnia, difamação, injúria, incitação ao crime, apologia ao crime, associação criminosa e denunciação caluniosa.
Ele também citou os delitos de tentar mudar mediante emprego de violência o regime vigente, fazer propaganda de processos violentos para alteração da ordem política e a incitação a subversão da ordem.
Moraes argumentou que Bolsonaro fez “afirmações falsas” e criou narrativas para deslegitimar as instituições e estimular apoiadores a atacá-las não só em relação às urnas eletrônicas.
Como exemplo, citou as declarações do presidente de que não poderia governar devido a decisões do STF dando autonomia a estados e municípios no enfrentamento da pandemia de Covid-19 e também o fato de ter feito insinuações sobre a decisão que liberou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a disputar as eleições de 2022.
“Tudo fundado em ilações reconhecidamente falsas, utilizadas para fomentar ataques aos integrantes das instituições constitucionalmente previstas para o balanceamento do regime democrático”, escreveu Moraes.
Horas depois da decisão de Moraes, em entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro disse, em tom de ameaça, que o “antídoto” para a ação do ministro não está “dentro das quatro linhas da Constituição”.
“Ainda mais um inquérito que nasce sem qualquer embasamento jurídico, não pode começar por ele [pelo Supremo Tribunal Federal]. Ele abre, apura e pune? Sem comentário. Está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está, então o antídoto para isso também não é dentro das quatro linhas da Constituição”, disse.
A crítica de Bolsonaro se refere ao fato de o inquérito das fake news -e a sua inclusão nesta quarta como investigado- ter sido aberto de ofício, e não a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República).
No caso do inquérito das fake news, a abertura ocorreu por decisão pelo então presidente do STF Dias Toffoli e posteriormente referendado pelo plenário da corte.
Nesta quinta, Bolsonaro voltou a atacar Moraes.
“A hora dele [Moraes] vai chegar. Porque está jogando fora das quatro linhas da Constituição há muito tempo. Não pretendo sair das quatro linhas para questionar essas autoridades, mas acredito que o momento está chegando”, disse o presidente.
“Não dá para continuarmos com ministro arbitrário, ditatorial”, completou ele em entrevista à Rádio 93 FM, do Rio de Janeiro.